Entre sem bater. 

domingo, 6 de março de 2011

Mr. V.

  Apesar dos pássaros e passarinhos, do vento nas folhas, algumas velhas outras novas, o que mais se ouvia era a noite. Assim sempre foi no parque da cidade, principalmente aos domingos. São vinte e seis anos vivendo. Não existem motivos para temer a morte, também faltam para não temê-la, o melhor então era arrumar outra forma, na qual eu tivesse alguma chance de sentir um alívio depois. Uma noite nublada, nem a lua queria refletir a luz do Sol, usei um calendário para escolher os dias que seriam assim, o lado escuro da lua estava em seu ápice, parecia saber que eu precisava de sua ajuda para espalhar a sua mensagem, tão óbvia e invisível. Malditos sorrisos.
  
  Nada impedia os sorrisos distribuídos ali, como é fácil esconder no sótão aquilo que não quer se mostrar para ninguém, de qualquer forma continua na casa, todos sabem o quão só está lá. Vinham as moças de domingo. Eu estava ali, perto da pequena lagoa escondida atrás das lindas macieiras, lagoa que refletia uma imagem tão distorcida, nunca entendi o que havia naquela água. Só refletia porque a luz dos postes presentes iluminavam o local, eu precisava deixar tudo escuro, precisava dominar a vontade, mas eu já estava rendido há tempos. Não queria mais o verde, o azul, amarelo, vermelho. O vermelho talvez. Desligo a fonte, de luz. Aquela dúzia de pessoas dentro do parque ficaram assustadas, mas meus ouvidos perceberam que elas permaneciam imóveis, era um lugar muito grande para se tentar desprender.
  
  Só escutava minha respiração, ia pelo meio das árvores, o primeiro seria uma primeira. Felicidade assustadora, não queria que aquilo existisse mais. Cheguei perto das moças, dava para se enxergar o frio de suas mãos juntas. Agarrei silenciosamente uma delas, enchi de ódio a faca no meio de suas costas. Só ouvia minha respiração e seu coração elegantemente parando. A outra foi no rosto, em sua bochecha, com suas covas, covas de tantas risadas, que felizmente parariam. O medo ilhado naquelas duas foi embora junto com a minha ânsia, as moças eram o sacrifício necessário, a história já conheceu muitos sacrifícios, era só mais um para alguém que não queria participar das páginas de qualquer livro que não fosse o meu próprio, que agora era manchado de tinha pela primeira vez.

  Volto para meu reflexo, encosto minha mão no espelho para molhar meu rosto. Sentia-me um menino, tudo fora embora, aliviado. Para a primeira vez, essas duas pareciam o suficiente. Não me importava mais quem ganharia a batalha no céu, conseguia ouvir, não sei por quanto tempo agora, o silêncio em mim. 
  
  

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