Entre sem bater. 

sábado, 18 de maio de 2013

"Eu ainda estou aqui: online após um ano sem internet"

Meu amigo Andrei Maris Reina fez a (excelente) tradução deste interessante artigo escrito por Paul Miller para o site The Verge.O autor ficou um ano sem acessar a internet e tirou algumas conclusões sobre isso. Além do texto original, no site você pode encontrar um documentário em vídeo além de algumas imagens. Só clicar em "Continue lendo" e apreciar o texto abaixo. Ou ler em pdf aqui.


Eu ainda estou aqui: online após um ano sem internet
(Paul Miller para o The Verge, 1º de maio de 2013)

Eu estava errado.

Há um ano atrás eu saí da internet. Eu achava que ela estava me deixando improdutivo. Eu achava que faltava sentido nela. Eu achava que ela estava "corrompendo a minha alma".

Faz um ano desde que "surfei na web" ou "chequei meu e-mail" ou "curti" alguma coisa com joinhas figurativos ao invés de literais. Eu consegui ficar desconectado, assim como planejei. Estou livre da internet.
E agora devo te dizer como isso resolveu todos os meus problemas. Eu devo estar iluminado. Eu devo estar mais "real" agora. Mais aperfeiçoado.

Não obstante, são oito da noite e eu acabei de acordar. Eu dormi durante todo o dia, acordei com oito mensagens de voz de amigos e colegas de trabalho. Fui à minha lanchonete pra consumir o jantar, o jogo dos Knicks, meus dois jornais e uma cópia do The New Yorker. E agora estou assistindo Toy Story enquanto olho ocasionalmente para o cursor piscando nesse documento de texto, torcendo para que ele se escreva sozinho, torcendo para que ele gere as epifanias que a minha vida falhou em produzir.

Eu não queria encontrar este Paul ao final da minha jornada de um ano.


No começo de 2012 eu tinha 26 anos e estava exausto. Eu queria uma folga da vida moderna - a rodinha de hamster que é a caixa de entrada de e-mail, o constante flood (inundação) de informações WWW que afogavam minha sanidade. Eu queria fugir.

Eu achava que a internet poderia não ser um estado natural para nós humanos, ou pelo menos pra mim. Talvez eu fosse muito hiperativo pra lidar com ela, ou muito impulsivo pra conter o meu uso. Eu uso a internet constantemente desde os doze anos, e como meu meio de vida desde os quatorze. Eu fui de jornaleiro, pra web designer, pra jornalista de tecnologia em menos de uma década. Eu não me conhecia fora desse contexto de conexão onipresente e informação infinita. Eu queria saber o que mais havia da vida. Talvez a "vida real" estivesse esperando por mim do outro lado do navegador.

Meu plano era me demitir, voltar pra casa dos meus pais, ler livros, escrever livros e relaxar no meu tempo livre. Em um gesto glorioso eu superaria todas as vindouras crises do quarto de vida. Eu encontraria o verdadeiro Paul, longe de todo o barulho, e me tornar um eu melhor.

Mas por alguma razão o The Verge quis me pagar pra sair da internet. Eu poderia ficar em Nova York e compartilhar minhas descobertas com o mundo, enviar cartas sobre minha vida off-line para os cidadãos da internet que deixei para trás, regá-los de sabedoria do alto da minha torre.

Meu objetivo, como jornalista de tecnologia, seria descobrir o que a internet tinha feito comigo ao longo dos anos. Entender a internet estudando-a "à distância". Eu não apenas me tornaria um ser humano melhor, eu ajudaria a todos nós sermos seres humanos melhores. Uma vez que entendido como a internet nos corrompe, nós poderíamos finalmente resistir.

Às 23h59 de 30 de abril de 2012, eu desconectei meu cabo Ethernet, desliguei meu wi-fi e troquei meu smartphone por um não tão esperto. Eu me senti muito bem. Eu me senti livre.

Algumas semanas depois, eu me vi entre 60.000 judeus ultra-ortodoxos que lotavam o New York's Citi Field para aprender dos rabinos mais respeitados do mundo sobre os perigos da internet. Nada mais natural. Fora do estádio, eu trombei com um homem brandindo um de meus próprios artigos sobre sair da internet. Ele ficou extasiado em me conhecer. Eu escolhi evitar a internet por muitos dos mesmos motivos que sua religião pedia cautela em relação ao mundo moderno.

 “Ela está reprogramando nossas relações, nossas emoções e nossa sensibilidade", disse um dos rabinos na conferência. Ela destrói nossa paciência. Ela transforma crianças em "vegetais clicadores".
Meu novo amigo fora do estádio me encorajou a aproveitar ao máximo meu ano, a "parar e cheirar as flores".
Isso ia ser incrível.

I dreamed a dream

E tudo começou muito bem, devo dizer. Eu realmente parei e cheirei as flores. Minha vida era repleta de felizes coincidências: encontros na vida real, frisbee, passeios de bicicleta e literatura grega. Sem fazer ideia de como o fiz, escrevi metade do meu romance e mandei quase toda semana um ensaio para o The Verge. Em um dos primeiros meses meu chefe chegou a manifestar uma pequena frustração com o tanto que eu estava escrevendo, o que nunca havia acontecido e nem voltou a acontecer.

Eu perdi 7 quilos involuntariamente. Comprei roupas novas. As pessoas me diziam o quanto estava bonito, o quão feliz eu lhes parecia. Em uma sessão, meu analista literalmente deu um tapinha nas próprias costas.

Eu estava um pouco entediado, um pouco solitário, mas achei a mudança de ritmo maravilhosa. Escrevi em agosto, "É o tédio e a falta de estímulo que me levam a fazer coisas que importam pra mim, como escrever e passar tempo com outros". Eu estava certo de que havia compreendido tudo, e disse a todos tanto quanto.

À medida que minha cabeça se ordenava, minha capacidade de concentração expandia. No meu primeiro ou segundo mês, 10 páginas da Odisseia era uma tortura. Agora posso ler 100 páginas numa sentada, ou, se a prosa é simples e estou muito entretido, algumas centenas.

Eu aprendi a valorizar uma ideia que não pode ser resumida a uma postagem num blog, mas que, ao contrário, precisa de uma exposição do tamanho de um livro. Ao me afastar da câmara de eco da cultura da internet, eu vi minhas ideias florescendo em novas direções. Eu me senti diferente e um pouco excêntrico, e eu curti isso.

Sem as facilidades de um smartphone, eu fui obrigado a sair da minha concha em situações sociais complicadas. Sem constante distração, eu reparei que estava mais consciente dos outros nas ocasiões. Eu não poderia mais ter todas as minhas interações no Twitter; eu tinha que encontra-las na vida real. Minha irmã, que lidou com a frustração de tentar falar comigo enquanto mal a escutava, fazendo parte de sua vida pela metade, adora o jeito com que falo com ela agora. Ela diz que estou menos desapegado emocionalmente, mais preocupado com seu bem-estar - menos babaca, basicamente.

Aliás, e eu não sei o que isso tem a ver com a história, mas eu chorei assistindo Os Miseráveis.

Parecia então, naqueles primeiros meses, que minha hipótese era válida. A internet me afastava do meu verdadeiro eu, o Paul bom. Eu havia puxado a tomada e encontrado a luz.

De volta à realidade

Quando saí da internet eu esperava que fosse escrever no meu diário coisas como "Eu usei um mapa de papel hoje e foi hilário!", "Livros de papel? O que são essas coisas?!" ou "Alguém tem uma cópia offline da Wikipédia pra me emprestar?". Isso não aconteceu.

Na maior parte do tempo, os aspectos práticos desse ano passaram quase despercebidos. Eu não tenho problema em andar por Nova York instintivamente, e compro mapas pra chegar a outros lugares. No fim das contas, livros de papel são ótimos. Eu não comparo preços pra comprar passagens de avião, eu apenas ligo pra Delta e aceito o que eles oferecem.

Na verdade, a maioria das coisas que eu estava aprendendo poderia ser feita com ou sem uma conexão à internet - você não precisa ficar um ano sem internet pra reparar nos sentimentos da sua irmã.

Mas uma grande mudança foi a correspondência. Eu arrumei uma caixa nos correios esse ano, e eu não posso te dizer a alegria que é ver essa caixa cheia de cartas de leitores. É algo tangível, e algo difícil de simular com um e-card.

Com espaçamento e letra adoráveis, uma garota me escreveu num pedaço de papel: "Obrigado por sair da internet". Não como uma ofensa, mas como um elogio. Aquela carta significou o mundo pra mim.
Mas então eu me senti mal, porque nunca escrevi de volta.

E então, por algum motivo, até ir aos correios soava como trabalho. Eu comecei a temer as cartas e quase as ressentia.

Como eu percebia agora, uma dúzia de cartas por semana provara ser tão opressiva quanto cem e-mails por dia. E foi dessa maneira que lidei com quase todos os aspectos da minha vida. Um bom livro me motivaria a lê-lo caso eu tivesse a internet como alternativa ou não. Sair de casa para ver as pessoas exigia tanta coragem quanto antes.

Ao final de 2012, eu aprenderia como fazer um novo estilo de escolhas erradas fora da internet. Eu abandonei meus hábitos offline positivos e descobri novos vícios offline. Ao invés de pegar o tédio e a falta de estímulo e transforma-los em aprendizado e criatividade, eu os transformei em consumo passivo e isolamento social.

Passado um ano, eu não ando tanto assim de bicicleta. Meu frisbee acumula poeira. Em quase todas as semanas não saio com pessoas sequer uma vez. Meu lugar preferido é o sofá. Eu deixo meus pés sobre a mesa de café, jogo um vídeo-game e ouço um audiobook. Eu escolho um jogo bobo, como Borderlands 2 ou Skate 3 e aperto os botões sem prestar atenção enquanto minha cabeça descansa no audiobook, ou talvez em nada.

Pessoas que precisam de pessoas

As escolhas morais não são muito diferentes sem a internet. Não é difícil se acostumar com coisas práticas como mapas e compras offline. As pessoas ainda gostam de te apontar a direção correta. Mas sem a internet é certamente mais difícil de encontrar pessoas. É mais difícil fazer um telefonema do que mandar um e-mail.  É mais fácil trocar mensagens ou conversar no Facebook do que passar na casa de alguém. Não que esses obstáculos não possam ser superados. Eu os superei a princípio, mas não durou.

É difícil dizer exatamente o que mudou. Acho que aqueles primeiros meses foram tão bons porque eu sentia a ausência das pressões da internet. Minha liberdade parecia tangível. Mas quando parei de enxergar minha vida na base do "Eu não uso a internet", a existência offline se tornou mundana e as piores partes de mim começaram a emergir.

Houve um período em que eu passei dias sem sair de casa. Meu telefone ficou sem bateria e ninguém me conseguia contatar. Até que meus pais se cansaram de tentar adivinhar se eu estava vivo e mandaram minha irmã ao meu apartamento ver como eu estava. Na internet era fácil garantir às pessoas que eu estava são e salvo, fácil de trabalhar com meus colegas, fácil de ser uma parte relevante da sociedade.

Muita tinta foi derramada ridicularizando o falso conceito de "amigo de Facebook", mas posso te dizer que um "amigo de Facebook" é melhor do que nada.

Meu melhor amigo de longa distância, com quem conversei semanalmente ao telefone por anos a fio, mudou-se para a China nesse ano e desde então não nos falamos. Como eu sempre furava nossos planos, meu melhor amigo de Nova York desapareceu em seu trabalho.

Eu me senti dessincronizado em relação ao fluxo da vida.

Ironicamente, em março, fui a uma conferência em Nova York chamada "Teorizando a web". Estava cheia desses tipos pós-graduados apresentando artigos complicados sobre definição de realidade e o que é o feminismo na era pós-digital e coisas assim. A princípio eu estava meio que esnobando, porque era como se eles estivessem lidando com meras teorias, teorias que diziam que a internet estava por toda parte, enquanto eu mesmo estava vivendo fora dela.

Mas então eu conversei com Nathan Jurgenson, um teórico da internet que ajudou a organizar a conferência. Ele disse que havia muito de "real" no virtual, bem como havia muito de "virtual" no real. Quando usamos um telefone ou um computador ainda somos humanos de carne-e-osso, ocupamos tempo e espaço. Quando estamos passeando num campo, longe de nossos aparelhos eletrônicos, a internet ainda influencia nosso pensamento: "Eu vou tuitar sobre isso quando voltar?".

Meu plano era sair da internet para encontrar o "verdadeiro" Paul e entrar em contato com o mundo "real", mas o verdadeiro Paul e o mundo real já estão intrinsecamente ligados a internet. Não que minha vida sem a internet não fosse diferente, apenas não era vida real.

Tempo com a família

Há duas semanas estive em Colorado pra ver meu irmão antes que ele fosse para o Qatar com a Força Aérea. Ele tem uma filha nova, uma gorducha de cinco meses chamada Kacia, que vi apenas em fotografias misericordiosamente enviadas pela minha cunhada através dos correios.

Vou para passar um dia com meu irmão e na manhã seguinte fui com ele ao aeroporto. Assisto estupefato ele se despedir da esposa e dos filhos. Não parecia justo ele ter que partir. Ele é um herói para as crianças e eu me irritava por eles perderem-no por seis meses.

Meus colegas de trabalho Jordan e Stephen se encontraram comigo em Colorado a fim de partir em uma viagem de carro de volta à Nova York. A ideia era resumir meu ano em um pequeno documentário e passar horas no carro discutindo tudo o que acabara de acontecer e o que estava por vir.

Antes de partirmos, passei mais um tempo com as crianças fazendo o melhor que podia pra ajudar minha cunhada, fazendo o melhor para ser um super tio. E então tivemos que ir.

Na estrada, Jordan e Stephen fizeram-me perguntas sobre mim: "Você acha que é muito duro consigo mesmo?". Sim. "Esse ano foi bem-sucedido?". Não. "O que você quer fazer quando voltar à internet?". Quero fazer coisas para as outras pessoas.

Nós paramos em Huntington na Virgínia do Oeste para encontrar um dos meus heróis, o Justin McElroy do Polygon. Eu o conheci com Nathan Jurgenson em Washington. Eu vinha ponderando muito se eu conseguiria acertar online onde falhei offline. Pedi dicas.

O que sei é que não posso culpar a internet, ou qualquer circunstância, pelos meus problemas. Eu tenho muitas das mesmas prioridades que tinha antes de deixar a internet: família, amigos, trabalho, aprendizado. E não tenho garantia alguma de que continuarei com elas quando voltar à internet - provavelmente não, pra ser sincero. Mas pelo menos saberei que não é culpa da internet. Eu saberei quem é o responsável, aquele que pode consertar.

Na terça-feira à noite, a última da viagem, paramos em frente ao rio de NY, ainda em Nova Jersey, para tirarmos "a foto" do céu de Manhattan. Era uma noite fria e clara, e me apoiei contra a frágil grade à beira do rio tentando fazer uma pose casual para a câmera. Eu estava tão perto de Nova York, tão perto de terminar o que tinha que fazer. Eu ansiava pela confortável solidão do meu apartamento, ainda que temesse o retorno ao isolamento.

Em duas semanas eu estaria de volta à internet. Eu me sentia um fracasso. Senti que estava desistindo mais uma vez. Mas era à internet que eu pertencia.

Meia-noite, 1º de maio de 2013

Eu já li tantos posts de blog, matérias de revista e livros sobre como a internet nos torna solitários, ou estúpidos, ou solitários e estúpidos, que eu passei a acreditar neles. Queria descobrir o que a internet estava "fazendo comigo", para que então eu pudesse reagir. Mas a internet não é uma busca individual, é algo que fazemos uns com os outros. A internet é onde as pessoas estão.

Na última tarde em Colorado eu sentei com minha sobrinha de 5 anos, Keziah, e tentei explica-la o que é a internet. Ela não sabe o que é "a internet", mas tira de letra o Skype com os avós. Perguntei se ela havia pensando no porquê de não termos nos falado no Skype nesse ano. Ela pensou.

 “Achei que foi porque você não queria", disse ela.
Com lágrimas nos olhos, eu a fiz um desenho de como é a internet. Eram computadores, telefones e TVs com pequenas linhas que os conectavam. Aquelas linhas são a internet. Eu mostrei o meu computador, desenhei uma linha que se conectava a ele, e então apaguei essa linha.

 “Eu passei um ano sem usar nenhuma internet", disse a ela. "Mas agora eu vou voltar e posso conversar contigo no Skype novamente.”

Quando voltar à internet, eu posso não usa-la bem. Talvez eu perca tempo, me distraia ou clique em todos os links errados. Eu não terei tanto tempo pra ler, refletir ou escrever o grande romance americano de ficção científica.

Mas pelo menos estarei conectado.

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