Meu amigo Andrei Maris Reina fez a (excelente) tradução deste interessante artigo escrito por Paul Miller para o site The Verge.O autor ficou um ano sem acessar a internet e tirou algumas conclusões sobre isso. Além do texto original, no site você pode encontrar um documentário em vídeo além de algumas imagens. Só clicar em "Continue lendo" e apreciar o texto abaixo. Ou ler em pdf aqui.
Eu ainda estou aqui: online após um ano sem internet
Eu estava errado.
Há um ano atrás eu saí da
internet. Eu achava que ela estava me deixando improdutivo. Eu achava que
faltava sentido nela. Eu achava que ela estava "corrompendo a minha
alma".
Faz um ano desde que "surfei
na web" ou "chequei meu e-mail" ou "curti" alguma
coisa com joinhas figurativos ao invés de literais. Eu consegui ficar
desconectado, assim como planejei. Estou livre da internet.
E agora devo te dizer como isso
resolveu todos os meus problemas. Eu devo estar iluminado. Eu devo estar mais
"real" agora. Mais aperfeiçoado.
Não obstante, são oito da noite e
eu acabei de acordar. Eu dormi durante todo o dia, acordei com oito mensagens
de voz de amigos e colegas de trabalho. Fui à minha lanchonete pra consumir o
jantar, o jogo dos Knicks, meus dois jornais e uma cópia do The New Yorker.
E agora estou assistindo Toy Story enquanto olho ocasionalmente para o
cursor piscando nesse documento de texto, torcendo para que ele se escreva
sozinho, torcendo para que ele gere as epifanias que a minha vida falhou em
produzir.
Eu não queria encontrar este Paul
ao final da minha jornada de um ano.
No começo de 2012 eu tinha 26
anos e estava exausto. Eu queria uma folga da vida moderna - a rodinha de
hamster que é a caixa de entrada de e-mail, o constante flood (inundação) de
informações WWW que afogavam minha sanidade. Eu queria fugir.
Eu achava que a internet poderia
não ser um estado natural para nós humanos, ou pelo menos pra mim. Talvez eu
fosse muito hiperativo pra lidar com ela, ou muito impulsivo pra conter o meu
uso. Eu uso a internet constantemente desde os doze anos, e como meu meio de
vida desde os quatorze. Eu fui de jornaleiro, pra web designer, pra jornalista
de tecnologia em menos de uma década. Eu não me conhecia fora desse contexto de
conexão onipresente e informação infinita. Eu queria saber o que mais havia da
vida. Talvez a "vida real" estivesse esperando por mim do outro lado
do navegador.
Meu plano era me demitir, voltar
pra casa dos meus pais, ler livros, escrever livros e relaxar no meu tempo
livre. Em um gesto glorioso eu superaria todas as vindouras crises do quarto de
vida. Eu encontraria o verdadeiro Paul, longe de todo o barulho, e me tornar um
eu melhor.
Mas por alguma razão o The
Verge quis me pagar pra sair da internet. Eu poderia ficar em Nova York e
compartilhar minhas descobertas com o mundo, enviar cartas sobre minha vida
off-line para os cidadãos da internet que deixei para trás, regá-los de
sabedoria do alto da minha torre.
Meu objetivo, como jornalista de
tecnologia, seria descobrir o que a internet tinha feito comigo ao longo dos
anos. Entender a internet estudando-a "à distância". Eu não apenas me
tornaria um ser humano melhor, eu ajudaria a todos nós sermos seres humanos
melhores. Uma vez que entendido como a internet nos corrompe, nós poderíamos
finalmente resistir.
Às 23h59 de 30 de abril de 2012,
eu desconectei meu cabo Ethernet, desliguei meu wi-fi e troquei meu smartphone
por um não tão esperto. Eu me senti muito bem. Eu me senti livre.
Algumas semanas depois, eu me vi
entre 60.000 judeus ultra-ortodoxos que lotavam o New York's Citi Field para
aprender dos rabinos mais respeitados do mundo sobre os perigos da internet.
Nada mais natural. Fora do estádio, eu trombei com um homem brandindo um de
meus próprios artigos sobre sair da internet. Ele ficou extasiado em me
conhecer. Eu escolhi evitar a internet por muitos dos mesmos motivos que sua
religião pedia cautela em relação ao mundo moderno.
“Ela está reprogramando nossas relações,
nossas emoções e nossa sensibilidade", disse um dos rabinos na
conferência. Ela destrói nossa paciência. Ela transforma crianças em
"vegetais clicadores".
Meu novo amigo fora do estádio me encorajou a aproveitar ao máximo meu ano, a "parar e cheirar as flores".
Meu novo amigo fora do estádio me encorajou a aproveitar ao máximo meu ano, a "parar e cheirar as flores".
Isso ia ser incrível.
I dreamed a dream
E tudo começou muito bem, devo
dizer. Eu realmente parei e cheirei as flores. Minha vida era repleta de
felizes coincidências: encontros na vida real, frisbee, passeios de bicicleta e
literatura grega. Sem fazer ideia de como o fiz, escrevi metade do meu romance
e mandei quase toda semana um ensaio para o The Verge. Em um dos
primeiros meses meu chefe chegou a manifestar uma pequena frustração com o
tanto que eu estava escrevendo, o que nunca havia acontecido e nem voltou a
acontecer.
Eu perdi 7 quilos
involuntariamente. Comprei roupas novas. As pessoas me diziam o quanto estava
bonito, o quão feliz eu lhes parecia. Em uma sessão, meu analista literalmente
deu um tapinha nas próprias costas.
Eu estava um pouco entediado, um
pouco solitário, mas achei a mudança de ritmo maravilhosa. Escrevi em agosto,
"É o tédio e a falta de estímulo que me levam a fazer coisas que importam
pra mim, como escrever e passar tempo com outros". Eu estava certo de que
havia compreendido tudo, e disse a todos tanto quanto.
À medida que minha cabeça se
ordenava, minha capacidade de concentração expandia. No meu primeiro ou segundo
mês, 10 páginas da Odisseia era uma tortura. Agora posso ler 100 páginas
numa sentada, ou, se a prosa é simples e estou muito entretido, algumas
centenas.
Eu aprendi a valorizar uma ideia
que não pode ser resumida a uma postagem num blog, mas que, ao contrário,
precisa de uma exposição do tamanho de um livro. Ao me afastar da câmara de eco
da cultura da internet, eu vi minhas ideias florescendo em novas direções. Eu
me senti diferente e um pouco excêntrico, e eu curti isso.
Sem as facilidades de um
smartphone, eu fui obrigado a sair da minha concha em situações sociais
complicadas. Sem constante distração, eu reparei que estava mais consciente dos
outros nas ocasiões. Eu não poderia mais ter todas as minhas interações no
Twitter; eu tinha que encontra-las na vida real. Minha irmã, que lidou com a
frustração de tentar falar comigo enquanto mal a escutava, fazendo parte de sua
vida pela metade, adora o jeito com que falo com ela agora. Ela diz que estou
menos desapegado emocionalmente, mais preocupado com seu bem-estar - menos
babaca, basicamente.
Aliás, e eu não sei o que isso
tem a ver com a história, mas eu chorei assistindo Os Miseráveis.
Parecia então, naqueles primeiros
meses, que minha hipótese era válida. A internet me afastava do meu verdadeiro
eu, o Paul bom. Eu havia puxado a tomada e encontrado a luz.
De volta à realidade
Quando saí da internet eu
esperava que fosse escrever no meu diário coisas como "Eu usei um mapa de
papel hoje e foi hilário!", "Livros de papel? O que são essas
coisas?!" ou "Alguém tem uma cópia offline da Wikipédia pra me emprestar?".
Isso não aconteceu.
Na maior parte do tempo, os
aspectos práticos desse ano passaram quase despercebidos. Eu não tenho problema
em andar por Nova York instintivamente, e compro mapas pra chegar a outros
lugares. No fim das contas, livros de papel são ótimos. Eu não comparo preços
pra comprar passagens de avião, eu apenas ligo pra Delta e aceito o que eles
oferecem.
Na verdade, a maioria das coisas
que eu estava aprendendo poderia ser feita com ou sem uma conexão à internet -
você não precisa ficar um ano sem internet pra reparar nos sentimentos da sua
irmã.
Mas uma grande mudança foi a
correspondência. Eu arrumei uma caixa nos correios esse ano, e eu não posso te
dizer a alegria que é ver essa caixa cheia de cartas de leitores. É algo
tangível, e algo difícil de simular com um e-card.
Com espaçamento e letra
adoráveis, uma garota me escreveu num pedaço de papel: "Obrigado por sair
da internet". Não como uma ofensa, mas como um elogio. Aquela carta
significou o mundo pra mim.
Mas então eu me senti mal, porque
nunca escrevi de volta.
E então, por algum motivo, até ir
aos correios soava como trabalho. Eu comecei a temer as cartas e quase as
ressentia.
Como eu percebia agora, uma dúzia
de cartas por semana provara ser tão opressiva quanto cem e-mails por dia. E
foi dessa maneira que lidei com quase todos os aspectos da minha vida. Um bom
livro me motivaria a lê-lo caso eu tivesse a internet como alternativa ou não.
Sair de casa para ver as pessoas exigia tanta coragem quanto antes.
Ao final de 2012, eu aprenderia
como fazer um novo estilo de escolhas erradas fora da internet. Eu abandonei
meus hábitos offline positivos e descobri novos vícios offline. Ao invés de
pegar o tédio e a falta de estímulo e transforma-los em aprendizado e
criatividade, eu os transformei em consumo passivo e isolamento social.
Passado um ano, eu não ando tanto
assim de bicicleta. Meu frisbee acumula poeira. Em quase todas as semanas não
saio com pessoas sequer uma vez. Meu lugar preferido é o sofá. Eu deixo meus
pés sobre a mesa de café, jogo um vídeo-game e ouço um audiobook. Eu escolho um
jogo bobo, como Borderlands 2 ou Skate 3 e aperto os botões sem
prestar atenção enquanto minha cabeça descansa no audiobook, ou talvez em nada.
Pessoas que precisam de pessoas
As escolhas morais não são muito
diferentes sem a internet. Não é difícil se acostumar com coisas práticas como
mapas e compras offline. As pessoas ainda gostam de te apontar a direção
correta. Mas sem a internet é certamente mais difícil de encontrar pessoas. É
mais difícil fazer um telefonema do que mandar um e-mail. É mais fácil
trocar mensagens ou conversar no Facebook do que passar na casa de alguém. Não
que esses obstáculos não possam ser superados. Eu os superei a princípio, mas
não durou.
É difícil dizer exatamente o que
mudou. Acho que aqueles primeiros meses foram tão bons porque eu sentia a
ausência das pressões da internet. Minha liberdade parecia tangível. Mas quando
parei de enxergar minha vida na base do "Eu não uso a internet", a
existência offline se tornou mundana e as piores partes de mim começaram a
emergir.
Houve um período em que eu passei
dias sem sair de casa. Meu telefone ficou sem bateria e ninguém me conseguia
contatar. Até que meus pais se cansaram de tentar adivinhar se eu estava vivo e
mandaram minha irmã ao meu apartamento ver como eu estava. Na internet era
fácil garantir às pessoas que eu estava são e salvo, fácil de trabalhar com
meus colegas, fácil de ser uma parte relevante da sociedade.
Muita tinta foi derramada
ridicularizando o falso conceito de "amigo de Facebook", mas posso te
dizer que um "amigo de Facebook" é melhor do que nada.
Meu melhor amigo de longa
distância, com quem conversei semanalmente ao telefone por anos a fio, mudou-se
para a China nesse ano e desde então não nos falamos. Como eu sempre furava
nossos planos, meu melhor amigo de Nova York desapareceu em seu trabalho.
Eu me senti dessincronizado em
relação ao fluxo da vida.
Ironicamente, em março, fui a uma
conferência em Nova York chamada "Teorizando a web". Estava cheia
desses tipos pós-graduados apresentando artigos complicados sobre definição de
realidade e o que é o feminismo na era pós-digital e coisas assim. A princípio
eu estava meio que esnobando, porque era como se eles estivessem lidando com
meras teorias, teorias que diziam que a internet estava por toda parte,
enquanto eu mesmo estava vivendo fora dela.
Mas então eu conversei com Nathan
Jurgenson, um teórico da internet que ajudou a organizar a conferência. Ele
disse que havia muito de "real" no virtual, bem como havia muito de
"virtual" no real. Quando usamos um telefone ou um computador ainda
somos humanos de carne-e-osso, ocupamos tempo e espaço. Quando estamos
passeando num campo, longe de nossos aparelhos eletrônicos, a internet ainda
influencia nosso pensamento: "Eu vou tuitar sobre isso quando
voltar?".
Meu plano era sair da internet
para encontrar o "verdadeiro" Paul e entrar em contato com o mundo
"real", mas o verdadeiro Paul e o mundo real já estão intrinsecamente
ligados a internet. Não que minha vida sem a internet não fosse diferente,
apenas não era vida real.
Tempo com a família
Há duas semanas estive em
Colorado pra ver meu irmão antes que ele fosse para o Qatar com a Força Aérea.
Ele tem uma filha nova, uma gorducha de cinco meses chamada Kacia, que vi
apenas em fotografias misericordiosamente enviadas pela minha cunhada através
dos correios.
Vou para passar um dia com meu
irmão e na manhã seguinte fui com ele ao aeroporto. Assisto estupefato ele se
despedir da esposa e dos filhos. Não parecia justo ele ter que partir. Ele é um
herói para as crianças e eu me irritava por eles perderem-no por seis meses.
Meus colegas de trabalho Jordan e
Stephen se encontraram comigo em Colorado a fim de partir em uma viagem de
carro de volta à Nova York. A ideia era resumir meu ano em um pequeno
documentário e passar horas no carro discutindo tudo o que acabara de acontecer
e o que estava por vir.
Antes de partirmos, passei mais
um tempo com as crianças fazendo o melhor que podia pra ajudar minha cunhada,
fazendo o melhor para ser um super tio. E então tivemos que ir.
Na estrada, Jordan e Stephen
fizeram-me perguntas sobre mim: "Você acha que é muito duro consigo
mesmo?". Sim. "Esse ano foi bem-sucedido?". Não. "O que
você quer fazer quando voltar à internet?". Quero fazer coisas para as
outras pessoas.
Nós paramos em Huntington na
Virgínia do Oeste para encontrar um dos meus heróis, o Justin McElroy do Polygon.
Eu o conheci com Nathan Jurgenson em Washington. Eu vinha ponderando muito se
eu conseguiria acertar online onde falhei offline. Pedi dicas.
O que sei é que não posso culpar
a internet, ou qualquer circunstância, pelos meus problemas. Eu tenho muitas
das mesmas prioridades que tinha antes de deixar a internet: família, amigos,
trabalho, aprendizado. E não tenho garantia alguma de que continuarei com elas
quando voltar à internet - provavelmente não, pra ser sincero. Mas pelo menos
saberei que não é culpa da internet. Eu saberei quem é o responsável, aquele
que pode consertar.
Na terça-feira à noite, a última
da viagem, paramos em frente ao rio de NY, ainda em Nova Jersey, para tirarmos
"a foto" do céu de Manhattan. Era uma noite fria e clara, e me apoiei
contra a frágil grade à beira do rio tentando fazer uma pose casual para a
câmera. Eu estava tão perto de Nova York, tão perto de terminar o que tinha que
fazer. Eu ansiava pela confortável solidão do meu apartamento, ainda que
temesse o retorno ao isolamento.
Em duas semanas eu estaria de
volta à internet. Eu me sentia um fracasso. Senti que estava desistindo mais
uma vez. Mas era à internet que eu pertencia.
Meia-noite, 1º de maio de 2013
Eu já li tantos posts de blog,
matérias de revista e livros sobre como a internet nos torna solitários, ou
estúpidos, ou solitários e estúpidos, que eu passei a acreditar neles. Queria
descobrir o que a internet estava "fazendo comigo", para que então eu
pudesse reagir. Mas a internet não é uma busca individual, é algo que fazemos
uns com os outros. A internet é onde as pessoas estão.
Na última tarde em Colorado eu
sentei com minha sobrinha de 5 anos, Keziah, e tentei explica-la o que é a
internet. Ela não sabe o que é "a internet", mas tira de letra o
Skype com os avós. Perguntei se ela havia pensando no porquê de não termos nos
falado no Skype nesse ano. Ela pensou.
“Achei que foi porque você não queria", disse ela.
“Achei que foi porque você não queria", disse ela.
Com lágrimas nos olhos, eu a fiz
um desenho de como é a internet. Eram computadores, telefones e TVs com
pequenas linhas que os conectavam. Aquelas linhas são a internet. Eu mostrei o
meu computador, desenhei uma linha que se conectava a ele, e então apaguei essa
linha.
“Eu passei um ano sem usar nenhuma internet", disse a ela. "Mas agora eu vou voltar e posso conversar contigo no Skype novamente.”
“Eu passei um ano sem usar nenhuma internet", disse a ela. "Mas agora eu vou voltar e posso conversar contigo no Skype novamente.”
Quando voltar à internet, eu
posso não usa-la bem. Talvez eu perca tempo, me distraia ou clique em todos os
links errados. Eu não terei tanto tempo pra ler, refletir ou escrever o grande
romance americano de ficção científica.
Mas pelo menos estarei conectado.
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